TURURUCA
Tururuca estava brincando de tiro ao alvo na beira da lagoa com o seu estilingue, uma atividade normal dos meninos da pequena cidade de São José da Cotiaia. Com muita destreza acertava todos troncos em que mirava e nas frutinhas das árvores, mas como todo menino da sua idade resolveu caçar passarinhos que foram muito rápidos para sua mira e ele foi embora frustrado, já era tarde e sua mãe ficava muito brava com ele quando chegava depois de escurecer.
Num sábado pela manhã, Tururuca acordou cedinho, o sol forte de verão já vinha brotando por sobre as águas com seu colorido maravilhoso. Despediu-se do pai que pegava as tralhas de pescaria e seguia para seu barco, disse para a mãe que voltaria para o almoço e seguiu correndo para o pequeno conjunto de árvores na beira da água.
Acomodou-se junto aos juncos e ficou esperando e durante horas ficou ali, tentando acertar um passarinho, seria uma vitória para contar na escola. Para sua felicidade acertou um e o pássaro veio caindo, rodopiando como uma pandorga sem rumo até tocar o chão.
Tururuca correu até o lugar e ficou olhando. Com o estomago meio revoltado mexeu com a ponta do pé o passarinho. Já tinha visto passarinhos mortos, mas lá no fundo o que o incomodava era que aquela tinha sido uma morte provocada por ele. Saiu correndo excitado, um pouco tonto em meio aos seus pensamentos, havia tirado uma vida, mas era só um pássaro qualquer, enfim era somente um bicho qualquer.
Almoçou muito quieto e pensativo, a mãe até perguntou o que havia acontecido, pois não era normal aquele silêncio, respondeu que estava cansado e que ia brincar e tomar um banho na lagoa de tarde, na certa se sentiria melhor.
Voltou ao lugar fatídico. Olhou novamente o pássaro e viu que era um João de Barro. Saiu caminhando lentamente e ficou escutando o chamar da companheira do morto, pois havia uma casinha de João de Barro inacabada num poste ali por perto.
Aquele canto parecia triste, e Tururuca o escutou por toda a tarde e em todo lugar onde passava. Aquele som incomodava cada vez mais, resolveu voltar mais cedo para casa, parecia estar levantando um tempo ruim por cima da lagoa. Ficou vendo televisão e pensou até que fosse perseguição, naquele dia todos os programas que escolhia pareciam falar da natureza, dos pássaros, dos animais e da sua importância que possuíam para a vida na terra.
– Que droga! – Pensou.
O tempo piorou, a mãe acendeu uma vela, o pai estava demorando a voltar.
Com o passar das horas, Tururuca ficou apreensivo, via a mãe preocupada e nada do pai voltar. A lagoa levantava ondas, o vento aumentava. Preocupado resolveu acender uma vela e ajudar a mãe a rezar pela volta do pai. Foi ai que se lembrou do que fizera naquela manhã e o sentimento de culpa tomou conta do seu coração. Pensou em Deus, pensou no pai, pensou na pobre da João de Barro, sozinha, na tempestade, sem poder terminar a sua casinha com o companheiro que ele… – Meu Deus! Tinha tirado a vida.
Lágrimas correram dos seus olhos, o arrependimento apertou seu coração com muitas perguntas, e se o pai não voltasse para casa? E se fosse castigo pelo que tinha feito? Como ficaria a sua mãe? E ele o que faria sem o seu pai?E se…
Os pensamentos pareciam um redemoinho de poeira de estrada, no meio do vento forte de verão, no canto do quarto reservado para ele, foi dormir muito aflito. Ouviu a mãe deitar e chorar baixinho, aquele choro parecia o canto da João de Barro. Rezou novamente, desta vez com mais fervor, pediu perdão pelo que tinha feito e jurou que nunca mais mataria um passarinho.
Dormiu quando os olhos já não aguentavam mais o cansaço de olhar as paredes do quarto escuro que só deixava a mostra, por suas frestas, a luminosidade da vela que a mãe, com cuidado, deixara queimando na mesa da santinha.
Acordou com o cheiro do café passado e ouviu a voz do pai na cozinha. Pulou da cama e foi abraçá-lo como nunca tinha feito em sua vida. Deus tinha ouvido as suas preces, o pai havia voltado a salvo para sua casa.
Com certeza a vida de Tururuca mudou completamente depois daquela noite.
Mais tarde depois de ajudar o pai a arrumar as redes de pesca, foi correndo para o lugar onde deixara o pássaro morto. Com as mãos fez uma pequena cova, enterrou o João de Barro, mas antes tirou de sua asa uma pequena pena.
Colocou a pena num lugar de destaque nos seus guardados e jogou seu estilingue no fogo, nunca mais caçou passarinhos e hoje em dia é uma das pessoas mais engajadas em defender a natureza da Lagoa dos Patos.
Verena Rogowski Becker
16/08/2016