O ÚLTIMO ANO

O ônibus sempre passava por aquele trajeto da BR-123, Léo fixava seu olhar nas casas construídas entre o asfalto e o morro de terras de algum produtor de gado. A casinha verde, de dois andares, feita com muitos retalhos de madeira sempre o atraia mais. Apesar de tanta pobreza, aquela casa tinha algo mais.
Plantas de todos os tipos em latas velhas, provavelmente retiradas do lixo de alguma construção ou reforma. Mas as flores e as folhagens pareciam gostar tanto daquele lugar que se sobressaiam muito mais do que as do jardim bem cuidado da sua casa.
Na parada seguinte entrava uma moça de cabelos castanhos, linda. Pela qual sentia muita atração, mas com a qual nunca falara. Não era falta de coragem, sabia muito bem cantar qualquer guria da sua turma do curso de advocacia que cursava. Ana! Dela só sabia o primeiro nome por ter escutado alguém chamá-la antes de embarcar.
No dia em que a sua turma foi tirar fotos num dos pátios da Universidade, outra fazia o mesmo e ele a viu. Desta vez num ímpeto de coragem foi até o grupo e a chamou embora não soubesse se houvessem outras Anas.
— Ana!
Ela virou-se e com um sorriso respondeu como se o conhecesse muito bem.
— Léo, vocês também estão fazendo as fotos para a formatura?
— Sim — respondeu espantado em ver que ela sabia o seu nome — estamos e acredito que seja uma das coisas mais divertidas dessa formatura.
— Eu também estou me divertindo, mas hoje não irei no nosso ônibus de sempre, nosso paraninfo quer fazer um ensaio.
— Estou com o meu carro, será que posso te dar uma carona?
— Seria muito bom, pois assim não terei que ir até a rodoviária, tenho medo de andar nas ruas quando está escurecendo.
Ele esperou várias horas, tamanha era a sua felicidade. Quando ela chegou apressou-se a abrir a porta do carro. Ao sair dirigindo foi logo fazendo perguntas. Ela, respondia com um carinho todo especial, parecia que se conheciam há muito tempo. Era o destino. Em uma hora de viagem os dois já sabiam tudo da vida um do outro.
— Aqui que você desembarca, mas gostaria de leva-la até a sua casa.
— Minha casa é logo ali, mas prefiro que me deixe na beira da estrada mesmo — vendo que ele não entendeu ela explicou — Léo, eu sou pobre, estudei com uma bolsa que foi conseguida pelo patrão do meu pai. Como ele sabia que a maior parte da nossa casa eu projetei e depois ajudei a construir, conseguiu tudo para mim, devo muito a ele e minha mãe trabalha na casa dele, isso nos sustenta.
— Por acaso a sua casa é a verde? Cheia de Flores e folhagens?
— Exatamente, fiz meu estágio e vou trabalhar com uma construtora, eles gostaram muito do meu projeto para casas populares e é nesse trabalho que vou prosperar e dar uma casa melhor para a minha mãe.
Trocaram números de telefones com promessas de reencontros. Ela, atravessou a faixa e foi para casa, a mãe ao chegar logo percebeu que a filha estava diferente e feliz. Depois de contar tudo para a mãe e receber conselhos de que talvez a família dele não aceitasse uma relação tendo ela uma mãe negra, foram dormir.
Passou a formatura. Léo e Ana encontravam-se sempre que podiam, saiam nos finais de semana e estavam cada vez mais apaixonados. Ela trabalhava muito no seu projeto e logo foi recebendo cargos melhores dentro da firma onde trabalhava. Léo trabalhava e prosperava na firma de advocacia do pai.
— Domingo você vai almoçar na minha casa.
— Tem certeza? Você já falou com seus pais?
— Sim, eles sabem tudo sobre você. Meus pais até conhecem os patrões da tua mãe e sabem tudo sobre ele ter pago teus estudos, que só tens a tua mãe. Que frequento a tua casa e que gosto da tua mãe e que te amo muito.
No domingo Ana se arrumou e ficou esperando. Estava nervosa, apesar de sua mãe falar que o destino sempre decide tudo e que os planos humanos são regidos pela lei de Deus, ela sentia que os pais de Léo já haviam pesquisado a sua vida e que só aceitariam ela se fossem mesmo as pessoas que ele falava.
O Almoço em família foi muito agradável. O namoro estava dando certo e os dois faziam mil planos para o futuro, inclusive Léu havia pedido que ela projetasse uma casa para eles num terreno que recebera do pai. — Você é a melhor arquiteta que conheço, ninguém mais saberia nossos gostos e planos de futuro — falou isso e beijou-a apaixonadamente.
O tempo foi passando, os projetos dos dois se realizando, mas por alguma razão Ana deixou de procurar Léo e se esquivava quando ele o fazia. Mandava mensagens, mas nunca dizia onde estava. A casa estava abandonada e os vizinhos nada sabiam dizer. Estava desesperado, nem os patrões da mãe dela sabiam de alguma coisa.
Léo procurou a firma onde Ana trabalhava e ficou sabendo que ela estava internada em um hospital, levou um choque muito grande ao saber que ela estava com câncer e que sua mãe não saia do hospital para nada, sempre ao lado da filha.
— Porque a senhora não pediu ajuda — Léo perguntou quando entrou no quarto simples com duas pessoas doentes junto com Ana.
— Ana achou que você sofreria menos se achasse que ela o tivesse abandonado.
Ana acordou naquele momento e quando viu Léo chorou, ele a abraçou e falou que cuidaria dela, que procurariam os melhores médicos e que ela ficaria curada.
Apesar dos pais de Léo ajudarem com novos médicos os diagnósticos eram de que ela não tinha cura. Não podia acreditar, perder o amor de sua vida representava perder seu horizonte, seus planos, a vida que tinha sonhado.
Levou-a para a casa que os pais tinham a beira mar, ficou com ela todos os dias, a mãe dela acompanhou os dois e os pais de Léo não mediram esforços para que ela tivesse toda assistência possível. Ela podia ver o nascer do sol e sentir a brisa do mar todos os dias. Ana agradecia a Deus ter Léo na sua vida e procurava fazê-lo entender que deveria continuar com os seus planos quando ela partisse.
Léo, falou com o pai e procurou a firma onde Ana trabalhava. Resolveram realizar o sonho dela e investiram na construção de uma vila com casas populares, com um parque cheio de flores e verdes como ela gostava.
Ana não teve tempo para ver seu sonho realizado, mas todas pessoas daquela vila na BR-123 receberam uma casinha e puderam mudar suas vidas.
Depois de um tempo ao passar por aquele lugar, Léo viu que casas haviam sido construídas novamente, por outras pessoas sem teto, só a casa verde e Ana, tinha desaparecido. O mundo parecia cinza.

Verena Rogowski Becker
13/08/2021