As figueiras

AS FIGUEIRAS

Escuta bem, Antônio, já faz quase um ano que você comprou essa terra e sei como ninguém que fez transformações muito boas por aqui. Mas essa muda de figueira que teimou em buscar lá de cima do morro e plantou aí na frente da varanda, me deu vontade de te contar umas coisas que por aqui aconteceram já fazem umas dúzias de anos. Por esse olhar sisudo de sua parte, cá com meus botões desconfio que vá ter tempo de escutar, pois saiba que essa figueira pode muito bem lhe trazer má sorte e não se assuste, nem se remexa tanto nesse banco de três pés aí, até eu terminar de contar o meu causo.

Pois olha que não se vendeu essas terras por muitos invernos, visto que era considerada de mau agouro, mas isso são coisas do povo e dos peões encasquetados, porque o dono das terras era um italiano, boa gente, com mulher três filhas e dois varões. Esses eram fortes e de boa lida na roça. As gurias, flor de faceiras e ricas em belezura, como a mãe delas, cuidavam da casa, da horta e da ordenha, a mãe era boa costureira.

As moças gostavam de dançar e frequentavam quase todos os bailes da cidade de Buriti; a menina mais nova, muito acanhada, só na companhia dos pais; as mais velhas iam com os irmãos e voltavam de madrugada, as estrelas se apagando e o sol nascendo dessa forma linda que a aurora se faz por aqui.

Mas lhe conto que certa vez veio um moço da cidade de cima da serra pra um desses bailes,alemão de nascença como meu pai e se encantou com a belezura e simpatia da filha Adélia. Mas o destino tem voltas… Não é que na mesma noite e num só olhar a filha mais velha Helena se apaixonou perdidamente pelo mesmo moço.Por cinco bailes que ocorreram por vista de uns cinco ou seis meses, o tal de Reinhart vinha com seu forde vinte e nove, estacionava na frente do clube, entrava no baile vestido de terno de linho bege, sapato preto e branco bico fino, coisa que se usava naquela época. Dançava a noite inteira com a Adélia para tristeza da Helena, que recusava o convite de todos outros pretendentes.

Certo dia o disputado rapaz resolveu visitar esta casa decidido a pedir a mão da guria em casamento, aprumado e com seu carro de pneu banda branca, entrou dobrando a curva da entrada dessas terras por meio daqueles eucaliptos que hoje a ladeiam majestosamente velhos e altos, passou a roça de milho e estacionou no meio da poeira que o próprio carro havia formado bem na frente dessa varanda.

O velho italiano, muito conhecedor de armas, tinha uma ao lado da cadeira sempre carregada, mas não acanhou o moço, não, ao contrário levaram uma boa prosa sobre a Itália e a Alemanha. Mas continuando a proza e bem dizia meu pai que os Wairich gostam de contar uma boa história, a menina Mirtes foi encarregada de oferecer o chimarrão com docinhos de polvilho e se o Reinhard havia gostado da Adélia, se apaixonou na hora pela Mirtes, foi olho no olho o amor dos dois.

Muitos passeios, palavras românticas e beijos aconteceram entre os dois debaixo das figueiras que podemos ver daqui, lá na encosta do morro do outro lado da estrada de terra que separa essas terras das do Seu Pedro. Um lugar muito bonito corria uma vertente cristalina no meio das duas fileiras de pé de figo, até ela secou com o tempo, mas me lembro de ter bebido água da fonte com meus amigos no meio das brincadeiras de soprar as sementes de dente de leão, perguntando uns pros outros: teu pai é careca? O senhor deve lembrar essa brincadeira. Foi lá que os dois se decidiram pelo casório que dizem ter sido uma das maiores festas feitas nesse lugar.

A história do mau agouro das figueiras que vim lhe alertar é que enquanto os dois apaixonados viajavam em lua de mel pela terra natal dos avós da menina Mirtes e também pela Alemanha, terra do noivo, as outras duas irmãs que tristes e desesperadas com a escolha do tão dotado moço, num pacto de demônio, se enforcaram cada uma numa figueira. Desgraça pura, todas as figueiras secaram por muitas primaveras e por causa dessa desgraça a família se mudou, mas sabe-se lá qual das figueiras o senhor replantou? Depois não diga que não avisei, porque a desgraça nunca vem sozinha vizinho.

Verena Rogowski Becker
12/01/2016

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