FAMÍLIA CRISTAL
Em uma das Bienais do Mercosul um artista plástico fez uma instalação usando uma
mesa simples de madeira retangular e duas cadeiras em cada ponta. De uma cadeira até
a outra, passando sobre a mesa, pedras pesadas empilhadas e enfileiradas
coerentemente. Relacionei aquela arte com a família e suas hierarquias no meu tempo
de criança, lembro ao leitor que já estou indo para os 7.2. As regras eram severas.
Outro artista criou sua instalação completamente oposta, com nome “família”. Usou
uma mesa toda de vidro, com seis cadeiras do mesmo material e o único detalhe
diferente, num canto da mesa, uma grossa e antiga bíblia cristã. Impressionei-me com a
delicadeza do material em contraste com o velho e surrado manuscrito, na minha
interpretação um conceito de novas famílias.
Um dos mais complicados assuntos para se comentar, me parece esse, porque ela já foi,
em outros tempos, um conjunto de pessoas apoiadas nas opiniões, conhecimentos de
uma ou duas pessoas, como a primeira mesa da exposição. Pesada, compacta,
estruturada na obediência ao pai e a mãe. Por muito tempo foram sólidas, pesadas,
obedientes e muitas vezes infelizes.
As novas famílias do século 20 e 21 me parecem tão frágeis como a mesa de vidro e
suas cadeiras. Algumas ainda baseadas na fé cristã, mas mesmo assim de vidro,
compatíveis com épocas de mudanças no mundo, nas mídias, nas relações sociais.
Acredito que em alguns casos as relações se tornaram tão superficiais e bem menos
amorosas. As redes sociais provocaram distorções e poucas são as famílias que se
obrigam a deixar o celular dentro de algum suporte e desligados ao menos nas horas de
encontro, de almoço ou de um jantar.
Estaríamos formando uma era da família “Cristal”? Mudanças houveram e profundas.
Pluralidade de conceitos, mães e pais solteiros, casais homossexuais, separações
constantes, crianças e adolescentes convivendo com dois pais e duas mães e assim por
diante. Não estou falando em certo ou errado, mas simplesmente parafraseando
Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. ”
Um cristal cientificamente é uma matéria com partículas agregadas, criando uma
estrutura cristalina que macroscopicamente assume uma forma externa sólida. As novas
famílias são de cristal, diferente de tempos passados e muitas até parecidas no amor, na
parceria, nos cuidados de uns com os outros. No fundo somos quase todos muito
agarrados a nossas famílias, embora tenhamos que ouvir num noticiário que uma mãe
matou o filho, que um pai matou todos.
Cristais quebram com muito mais facilidade.
Verena Rogowski Becker